Ciro Gomes não é marxista, não é comunista, não é
socialista, é, no muito, talvez, socialdemocrata, e está em um partido que se
diz trabalhista, termo que também não o define completamente. Por que os
marxistas devem apoiá-lo?
Quem disse que marxistas precisam apoiar candidatos
marxistas?
Afirmar que um marxista só pode apoiar marxistas é tão
absurdo quanto afirmar que um físico só pode apoiar físicos. Também é menosprezar
o marxismo em si, como inútil, como incapaz de influenciar a realidade. O
critério da verdade é a prática, portanto uma ciência vale pelo que ela faz.
Por exemplo, seria muito menosprezo pela medicina dizer que para manter em bom
estado a saúde pública é necessário que os governantes sejam sempre médicos. Se
marxismo fosse somente uma declaração de princípios, que é o que são a maioria
das candidaturas explicitamente marxistas, não seria uma ciência.
O objetivo explícito das candidaturas ditas marxistas é
divulgar o marxismo e as posições comunistas. Existem duas incompreensões nesse
objetivo. Primeiro, o marxismo não pode ser ensinado assim, exige anos de
estudos, e eleições não são o momento para isso. Imagine um candidato que
resolvesse ensinar química!?!? Segundo, não é necessário, nem possível, que
todas as pessoas sejam marxistas. Dizer que todas as pessoas devem ser
marxistas é como dizer que todas as pessoas devem ser historiadoras. Qual a
utilidade disso? Para que todas as pessoas precisariam ser físicas,
engenheiras, médicas???
O que seria conveniente que toda pessoa, todo cidadão,
conhecesse é o que alguns chamam de “consciência de classe”, que seria mais
apropriado dizer, “das classes”, “da sociedade”, ou o que Gramsci chamava de
“bom senso”, como superior ao “senso comum”. Por exemplo, é importante que a
população entenda a necessidade de reduzir a jornada de trabalho; É importante
que a população entenda a importância de conquistar o Recall (a revogabilidade
dos mandatos dos políticos); É importante que a população saiba que 50% do
orçamento da União é doado aos bancos, aos estrangeiros, a título de dívidas.
Não é preciso estudar anos de marxismo para saber nada disso!
Existe grande diferença entre um marxista e um professor de
marxismo. A mesma que existe entre o físico e o professor de física. Não existe
física sem professores de física, nem sem físicos, e o que eles estudam é a
mesma matéria. Contudo, o trabalho do professor é ensinar o que está no livro
didático, e o do físico é superar o que está no livro didático. Esses
candidatos pseudomarxistas tentam ser professores de marxismo, mas um marxista
precisa ir além disso - precisa conhecer a realidade e entender como usar as
forças que estão no tabuleiro.
O que é o marxismo?
Marx não gostava do termo “marxismo”, e de fato ele é
enganador, mas acontece nas ciências, como com “darwinismo”, “lamarquismo” etc.
Enganador porque dá a entender que se concorda com tudo o que Marx escreveu,
como se fosse uma Bíblia. Os nomes que ele preferia eram socialismo científico,
ou mais amplo, materialismo histórico. O termo comunismo já existia, com
significado pejorativo, agressivo, e ele o tomou por propaganda (observe-se com
muito cuidado o início do Manifesto).
Socialismo científico não só em oposição ao que ele chamava
de socialismo utópico, no que ele incluía até o cristianismo (vide Manifesto
Comunista), como porque a proposta é usar a ciência para transformar a
sociedade.
O termo “materialista”, para os marxistas, também significa
“científico”, porque significa “real”, “existente”, em oposição a “idealista”,
que seria “metafísico”. Portanto, a proposta de Marx era estudar a história
humana cientificamente. O estudo da história seria a chave para entender como
transformar as sociedades.
Os estudos de Marx revelaram que os dois maiores
escravizadores da humanidade, os Estados e as ideologias, são frutos da luta de
classes, e existirão enquanto existirem classes sociais. Ao mesmo tempo as
classes em luta são as principais forças da história humana. Essas classes,
contudo, lutam em condições dadas, e das condições o fator mais importante é o
nível de desenvolvimento das forças produtivas, p.ex: escravidão só se tornou
possível em larga escala depois de dominado o ferro e depois que um trabalhador
passou a produzir mais do que consome; operários só podem existir se existir
indústria; o comunismo de Marx só será possível na era robótica.
O que querem os marxistas?
O fim do Estado, e das ideologias, ou seja, a verdadeira
liberdade, que a humanidade nunca teve, porque antes de existirem classes e
Estados a humanidade era escrava da natureza.
Para acabar com o Estado e com as ideologias é necessário
acabar com as classes sociais. Acabar com as classes sociais exige um outro
modo de viver, de produzir, que não se baseie na exploração de uma parte da
sociedade por outra. Tal modo de produção precisará ter forças produtivas bem
desenvolvidas, de forma que o trabalho humano seja cada vez mais desnecessário,
ou seja, que classes exploradas se tornem desnecessárias. A descrição de Marx
do comunismo era um tempo futuro em que as máquinas trabalhariam para os
humanos, que poderiam usar seu tempo a seu bel prazer. Não é a toa que Marx
considerava que a maior conquista econômica possível para os trabalhadores é a
redução da jornada de trabalho.
O papel que a luta de classes tem na verdade é “somente”
destravar o desenvolvimento das forças produtivas. As classes exploradoras
tendem a tentar conservar a forma de viver em que são privilegiadas, ou seja,
tendem a brecar o desenvolvimento das forças produtivas. Um exemplo atual –
tentam conter a redução da jornada de trabalho, o que desacelera o
desenvolvimento econômico, o que desacelera o desenvolvimento técnico e daí o
crescimento das forças produtivas.
O plano marxista é usar a luta de classes para dar a vitória
decisiva aos trabalhadores, classe que tudo produz, e que portanto só pode
deixar de ser explorada extinguindo as classes improdutivas, ou seja, proletarizando
todos, reduzindo todos ao assalariamento, o que na verdade o capitalismo já faz
com quase todo mundo, só restando à Revolução Socialista uma minoria ínfima a
proletarizar. Tanto antes quanto depois disso, os trabalhadores só podem
melhorar de vida desenvolvendo os meios de produção. Não é um caso de simpatia
pelo proletariado, muito menos pelos pobres, embora seja menos ainda um caso de
antipatia. É um cálculo! O proletariado também precisa ser extinto – os
trabalhadores precisam ser uma classe para tomar e manter o poder, mas só vão
ser livres quando não precisarem mais ser uma classe, quando não precisarem
mais ter o poder, não precisarem mais de Estado. Até lá, como desde que existem
classes, serão escravos ao menos de suas ideologias, ou seja, não terão o
conhecimento eficiente de suas verdadeiras necessidades. Um exemplo de como as
ideologias escravizam os trabalhadores é o petismo, escudo mor do capitalismo
brasileiro. Com símbolos imitados da União Soviética, dos comunistas, o Pt difunde
ideais capitalistas, governa de forma capitalista, parasita os Sindicatos de
forma capitalista, é conservador!
Um governo pode ser marxista?
Se compreendemos que o marxismo é uma ciência - o estudo
científico sobre como se transforma uma sociedade - a única coisa que seria de
fato um governo marxista seria um governo que transformasse a sociedade toda em
um laboratório permanente, o que é moralmente inaceitável!
De fato o termo “governo marxista” em si é um absurdo, como
seria dizer “governo físico”, “governo químico”, “governo biológico”. Ora, todo
governante atual, ao fazer qualquer obra, utiliza-se da física, da química etc.
mas nem por isso precisa ser formado em física e em química.
O que é possível são governos que utilizem as descobertas
marxistas, e o que a história nos forneceu nas experiências do século XX foram
governos mais ou menos inspirados nos princípios revolucionários de Marx.
Contudo, um governante que não utilize as descobertas
marxistas, mesmo que seja de direita, é tão idiota quanto um que tente negar a
gravidade. Ciro não é marxista, mas dos candidatos com chances de vitória é o
único que certamente sabe o que é, estudou, o marxismo. Os outros, mesmo Lula e
Marina, nitidamente não têm essa capacidade.
Que tipo de governo interessa aos marxistas?
Os que desenvolvem as forças produtivas, a educação, as
ciências, as artes, estimulam a humanidade. Marx apoiava em cada país as forças
mais avançadas, obviamente, avançadas na prática, não da boca para fora. Na
época de Marx já existiam grupelhos que se achavam ultrarevolucionários, que
planejavam levantes, explodiam bombas, mas que eram de fato quase tão
caricaturais quanto os de hoje, e não tinham o apoio dele.
Os governos mais avançados que podem existir atualmente são
os dos próprios trabalhadores, aos quais só se pode chegar por via
revolucionária. Não se trata de candidatos trabalhadores! Não se trata de
governantes de origem na classe trabalhadora! Não interessa a origem de classe
do chefe do governo! Um governo dos trabalhadores, para Marx, seria um tipo de
Estado completamente controlado por milhões de trabalhadores diretamente, de
forma que pouco importe a origem de classe desse ou daquele político. É
necessário diferenciar luta de classes, racional, para vencer, e sentimento infantil
de classe, irracional, que leva à derrota! Tomar para os trabalhadores os
cérebros das outras classes é indispensável - Marx nasceu na pequena nobreza, e
Engels industrial; Fidel nasceu latifundiário, e Che na elite de Buenos Aires;
Astrogildo Pereira nasceu na família dominante em sua roça; Mao era de uma
família com mandarins. Ao mesmo tempo, apoiar um candidato só por sua origem
proletária já nos levou a diversos fracassos.
Obviamente, as condições para se chegar a um governo dos
trabalhadores, ao “poder popular” etc. não estão dadas nas eleições de 2018.
Simplesmente os trabalhadores não estão nem organizados, nem politizados para
isso. Pelo contrário, a era petista fez terra arrasada do movimento operário
brasileiro. Os trabalhadores brasileiros precisam de tempo para se
reorganizarem.
O fim da era petista e as eleições
Sob os governos petistas, eleitoralmente fortes, o que os
marxistas deviam fazer nas eleições era tentar empurrar o Pt para a esquerda.Deviam
lançar sim, candidatos para perderem e apresentarem programas mais à esquerda,
porque os petistas venceriam de qualquer maneira. Ao menos era melhor do que
apoiar o Pt e se responsabilizar pelos crimes petistas. A certeza da vitória
petista obrigava mesmo os marxistas a lançarem candidatos para perder e assim
se diferenciarem do Pt. Registre-se que os partidos minúsculos que tentaram
fazer isso aproveitaram mal as oportunidades que tiveram, e o PCdoB, que teria
força para fazer isso e teria crescido muito se o fizesse, pelo contrário
reduziu-se a uma tendência externa do Pt, afundando junto com o barco.
A era petista está esgotada, mesmo que Lula seja candidato e
vença! Não faz mais sentido usar eleições para marcar posições em relação ao
Pt, muito menos para o uso lunático que é tentar ensinar marxismo nas
propagandas eleitorais. Agora é necessário apoiar um candidato com verdadeiras
chances de vitória! O mais avançado, com chances reais, deve ser apoiado pelos
marxistas. No momento é Ciro Gomes! Seja quem for o candidato do PSOL, não está
aparecendo nas pesquisas, e nas últimas eleições o discurso do PSOL não foi
mais avançado que o atual discurso de Ciro Gomes. O candidato petista, seja
Lula ou outro qualquer, não chega aos pés de Ciro Gomes em suas propostas para
a economia e para a política, e a prática do Pt liquidou qualquer confiança que
se pudesse ter nesse partido e nos líderes envolvidos. O PCdoB terá que
obedecer ao Pt, como tem feito sempre em troca da legenda eleitoral, e Manoela
também, em seu discurso, está a direita de Ciro Gomes.
Ciro Gomes tem convicção do que fala, porque sabe do que
está falando. Ao contrário de Lula, não engole a conversa fiada liberal. Ao
invés de propostas cosméticas, de demagogia, Ciro propõe soluções viáveis. Do
ponto de vista da reforma política Ciro ganha de mais longe ainda, porque em 14
anos o Pt não ampliou a democracia em nada, ainda criou leis contra os
movimentos sociais. Ciro propõe o Recall! Em 14 anos o Pt nunca cogitou isso,
nem quando podia usá-lo para se salvar do golpe parlamentar de 2016. Em 14 anos
o Pt continuou distribuindo rádios e TVs para políticos ladrões e não as
liberou para as Universidades e para os Sindicatos. Pelo contrário, o Pt ainda
tentou criar um conselho censor, com um nome democrático, é claro. Ciro Gomes
propõe democratizar a mídia pela base, permitindo a multiplicação da mídia
local, dificultando a formação de grandes redes repetidoras da mesma ladainha.
Ciro Gomes não tem a ânsia petista de abafar tudo o que não é Pt, e isso
permite que ele conte com o fortalecimento do povo, enquanto o Pt sempre
promoveu seu enfraquecimento.
Ciro não propõe o socialismo nem nada parecido, e isso o
torna mais confiável, porque o que ele propõe é o que sabe que é possível. É
inteligente, propõe coisas inteligentes e que deseja cumprir porque sabe que
darão certo.
Ciro propõe desenvolver a tecnologia do país, as forças
produtivas portanto, e nada interessa mais, a longo prazo, aos trabalhadores,
do que isso. Não só é o que permitirá uma sociedade mais justa, o socialismo,
mas é o que melhora as condições de vida hoje mesmo, barateando todos os
produtos, prolongando a vida, e como se vê na internet, universalizando a
cultura.
Em um momento de profunda crise política, em que o regime
mesmo de 1988 vive sua agonia (e os trabalhadores não estão nem perto de
tomarem o poder), Ciro é forte, capaz de manter a unidade nacional e a paz
durante a tormenta. Não é um momento de políticos fracos, muito menos de
lunáticos e incapazes! O país talvez precise de uma Constituinte! Nenhum outro
candidato da esquerda tem o perfil adequado a tamanha crise.
Comentários
O texto é tão lúcido e correto que o único apontamento possível é sobre o pequeníssimo deslize na grafia do saudoso Astrojildo Perereira, com J e não G. Um grande abraço
Mas é isso mesmo. E o que me levou a apoiar Ciro é sua lucidez, que recusa muita coisa pra não aventurar desastrar a conversação de teoria em política (como diz Zé Paulo). Além disso, sua semelhança com Celso Furtado, Darcy, Brizola e todo uma tradição progressista (com notáveis marxistas) e o brio com que enfrentou o golpe recente à democracia me conquistaram.
E como Ciro disse, a URSS pode até ter ruído; mas não destruíram o que representou.
Segundo turno que nos espere!
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